"um dia de sufoco" - Crônica _Kátia Surreal: 18/10/2020

19/10/2020 14:20

Um dia de sufoco

Kátia Surreal

 

Era um dia como outro qualquer. Muitos anos se passaram e tanta coisa continua igual. Mas tá, relevo a importância de se fazer um recorte do tempo pra que se compreenda melhor o meu pensamento. Só adianto: tudo permanece às mesmas. No entanto, reiniciarei a prosa. Sempre é preciso continuar tentando.

Era um dia abafado, apesar de se estar fresco lá fora. Eu estava abafada em minha máscara, que era preta, ainda por cima, só pra me proteger mais falsamente um cadinho do “Coronavírus”. Lá fora, como disse, era leve e fresco, como um dia que se abre logo após uma frente fria. Aqui dentro, todavia, era abafado. E não estou sendo repetitiva, se é que me entende. Eu estava aguardando a consulta com a psicóloga. Ela chegou. Pausa. Conversamos...

Termino de escrever agora sentada no ônibus balançando. Eu estou balançando e balançada. Este movimento, que tanto Newton enfatizou muito tempo atrás, acredite, consegue ser mais lento do que o meu pensamento acelerado de então. Sei que isso é tudo muito estranho, mas é que a minha memória não para nos sinais verdes pra descer. Também não tem uma parada preestabelecida, mas a todo instante engarrafa. Esquisito, não? Como pode a mente só captar tudo aquilo do imprevisto da falha humana?

Ontem mesmo saí ferida ao terminar de escrever um artigo científico. Há um tempo pensava no que poderia alcançar de belo dum tema nada menos do que “o espaço”. Quão vago é isso, senhor! Acabei escrevendo sobre cracolândia, acredita? Eu não gostaria de ter escrito sobre isso! Fui levada a produzir algo que me desgastou tanto nas horas como na alma. Mas fiz. Não me arrependo, se quer saber. Só estou te contando. Só estou me envenenando. Quem escreve, às vezes, se envenena. Outras vezes...

Certa vez, quis escrever um conto, saiu um poema. Fui falar de amor, e só consegui dizer sobre revolução. Ao menos descobri o que é o amor... Aos trinta e quatro anos de idade. Que sacanagem! Sabe, nem sempre somos nós que escolhemos o gênero do texto que gostaríamos de escrever. Nem teria como, se reparar bem. Dizem que é a vida que escolhe o gênero, o tema, mas a verdade é que somos nós mesmos que pomos todo o nosso ímpeto naquilo que nos é determinado ou não.

Agora está ficando tarde, e a tarja é vermelha. Portanto, voltarei ao início, só pra não ficar tudo tão solto assim. Eu abordava sobre questões permanentes no mundo, e como eu estava abafada com a máscara anticovid-19 hoje cedo. Aguardava a psicóloga na ocasião. Agora estou aqui, deitada, tranquila, em minha cama, sem máscara, na posição um tanto igual a de ontem e de tantas outras vezes na vida. Eu nem sei bem o que de fato pretendia te dizer, pra ser sincera. Talvez não conclua hoje um raciocínio, mas por uma questão de respeito, devo terminar de costurar o recorte de pensamento que anunciei, ao menos.

Bem, serei sucinta. Creio que a máscara da manhã de hoje tenha sido só um detalhe da vez; porque no mais, amigo, continua igual. Sempre foi assim. Eu te digo e assevero. Sem máscara ou não, está sempre tudo muito abafado por aqui. Mas eu preciso me libertar. Eu preciso que você se liberte. Não é de hoje esta história de máscaras, marras e amarras. E amaro, amigo, são os aros do mundo, mas o que vale mesmo nesta vida, de profundo, sem dúvidas, é amar. O amor, eu suponho que a essa altura já esteja inteirado do que seja, né, não era bem como imaginávamos de antemão...

Agora eu vou lá de verdade, que a tarja é vermelha, e amanhã será um novo dia.

Fim