prosa poética sobre o saci, publicado em 22/8/2022, no Instagram

23/04/2022 14:41
"Abrirei mão de ideias pra te dizer umas palavras. o saci não foi visto por ninguém nesta madrugada, mas andou chicoteando o ar, que reagia com seu assobio de foice sibilante. quem viu o chicote? o chicote é da cor do ar e tem cheiro de suor e sangue. o saci não estava no porão do navio tumbeiro. fumava cachimbo na pedra da praia o dia inteiro. todo pererê é curioso e enxerga bem no escuro. fez-se de pedra durante a ancoragem, e, com coragem, camuflou-se no fumacê do seu fumo, e foi firme ao fundo do porão, onde o sol não nasce nem se põe. ali, só sombra e sobra de pessoas mortas, ratos e até pulgas, coisa cruel, sem lógica nenhuma. saci não podia se acostumar que as nuvens vindas do mar aniquilaram o suposto sentido das nuvens do céu. sobreviventes a plantar cana e a colher açúcar pra adoçar a xícara da gente amarga. saci deu uma baita tragada e se ocultou pelas matas, junto com outros camaradas durante a madrugada: boitatá, caipora e a iara. às vezes, saci dá as caras, e algumas chicotadas em certas costas insensatas, e acende o cigarro do andarilho pra lhe aquecer o corpo nas noites de frio. pererê é um perigo ao inimigo. trança o seu pentelho, sorrindo com seu gorrinho infernalmente vermelho, bem diante da lua, que é espelho de Luanda, depois ele recua, mergulhando no redemoinho do tempo. tão logo, ao mundo humano, retoma com suas artes e sombras".
(Kátia Surreal)