prosa poética publicada no Instagram em 15/8/2022

23/04/2022 14:36

"o concreto da rua acentua o cinza da manhã de domingo. esta esquina me incita a ir pela curvatura. toda esquina tem isso de encurvar o corpo...
continuo sendo levada. não há escolhas nem de cinza, nem de esquina, nem de sina. deixa eu te dizer: na rua cinza, os pombos que sobrevoam as nossas cabeças também são cinza(s). a fumaça do carro e do cigarro deste senhor que transita distraído têm a cor cinza. não vejo fábricas durante o trajeto, mas o tom cinzento nos prende nesta bolha invisível que o patrão envolveu toda a cidade. estamos cercados e o espetáculo são os saguis malabaristas, também cinza, que correm rápido sobre as cordas bambas de eletricidade procurando o verde da margem. eu também quero o verde; mas, ao chegar a casa, topo com uma borboleta repousando na parede. ela é cinza e tão bonita. até tentei uma selfie com ela, mas o nosso tamanho é demasiadamente desproporcional. vejo então que a borboleta é a protagonista do mundo, e fiz questão de vê-la de pertinho. ela é cinza, como disse, só que cheia de pintinhas vermelhas. também devo ter pintas vermelhas em mim. se reparar bem, talvez, haja muitos pontos vermelhos espalhados por toda parte da cidade. olha, eu não sei o que pode representar isso tudo, mas eu me senti alegre com esta descoberta. há uma beleza oculta no cinza das coisas, no habitual da vida, que me dá esperança. entenda: a esperança é vermelha e os pequenos pontos desta cor precisam ser desvendados em todas as partes."
(Kátia Surreal)

 
*Texto e imagem autorais