"Mito da liberdade"

21/12/2020 09:23

Mito da liberdade

    

    Era uma vez um mundo demasiadamente acelerado. O amor era epitelial. Cansada de tanta fugacidade, uma corajosa garota saiu por aí, e acabou encontrando uma misteriosa gruta. Nela, havia uma fogueira tão densa, que lhe roubou a superfície da tez. De súbito, a jovem começou a sentir tudo intensamente à sua volta, que pensou em nunca mais sair dali. Só que, de tão sensível, se deu conta de que outras pessoas também poderiam sair da superfície e experimentar algo conjuntivo em suas vidas.

    Saiu de dentro da caverna. Chamou o primeiro, que nem a ouviu. O segundo estava apressado, e o terceiro não tinha interesse mesmo. Até que ela resolveu bradar o mais alto que pôde. Ninguém a ouvia. Cada qual, na pressa cotidiana, se tocavam um no outro sem profundidade.

    Triste e cansada, Sofia resolveu retornar à gruta e viver solitária. Passava os dias se aquecendo rente à labareda e desenhando sombras humanas nas paredes da caverna. A arte e o fogo da sensibilidade lhe eram mais profundos que a vida superficial lá fora.

(Kátia Surreal)