"ladainha convexa" (poesia)

24/04/2022 11:49
ladainha convexa
a dura ação do dia, adélia,
fez-me esperar
que o vento derradeiro da sorte
soprasse por esta janela
já que nada entra por ela, adélia,
utópico fim conciliador
que tu te guias,
vou sussurrar
bem nas tuas orelhas
nada frias
sobre as linhas que teço
outro dissabor
que, na condição de mulher,
faz com que eu desapareça
na moda que se espalhou
seios, bundas e coxas arredondados
de certo, ficaram limitados
na boca,
no plano
e na planicidade
da expressão feminina
que rege a contemporaneidade
sabe, adélia,
tenho que ser sincera
eu gosto dos anjos
os tortos, sem sexo,
convexos
que conversam
sem janelas ou molduras
entrando nas narrativas
com ou sem moças proativas
e a moral que se costura
desculpa, adélia,
às vezes até sou poeta
jamais poetisa
e sei que a atualidade me convida
a dizer sobre as mazelas femininas
mas o que guardo de profundo
a este dogmático mundo, adélia,
está nas vidas fictícias
anjos terrenos
que arrastam asas
e voam se plenos
nunca planos e prontos
como uns tontos
pois é, adélia,
guardo na escrivaninha
sonhos que não se escravizam
à moda que então vinga
escrevo o poema do agora
pra que leia a minha ideia
nas linhas da prosa
poesia que vem e volta
pelo fluxo da memória
ah, a atualidade permanente...
(Kátia Surreal)
 
*Publicado inicialmente na comunidade Ecos Poéticos: www.instagram.com/p/CauRm7ks2-C/