"A espera sangrenta pelo bom velhinho" (crônica)

25/04/2021 13:36

Niterói, 25 de abril de 2021.

 

A espera sangrenta pelo bom velhinho

 

            Refiro-me a um bom velhinho, da barba branca, que prega a paz, a igualdade e a justiça. Segundo o costume, é preciso aguardar o momento certo para receber um brinquedo. A criança educada, então, acata a ordem, sem bisbilhotar os quatro cantos da casa. A criança educada não precisa fazer vigília nas horas mortas, nem tampouco se extravasar em pirraça. Essa criança é educada, porque o presente lhe é algo certo em sua vida. Por outro lado; aliás, do outro lado da rua, numa casa ou não, pouco importa, as crianças, que não necessariamente são tão crianças assim –, senão quanto ao espírito de confiabilidade que mantêm em relação ao líder, digo: mais velho, –, padecem na ausência que os preenche a cada dia de um vazio variante, em escala progressivamente geométrica.

            Padecer na ausência... Isso é muito triste, quando pensamos na atual circunstância. Hoje, de manhã, li, das últimas notícias da noite de ontem –, como eu tenho feito muita questão de fazer diariamente, que é para nunca me esquecer que agora é o momento mais infeliz de toda a história do Brasil! –, que atingimos 67.723 mortos!!! Um número crescente, numa lógica universal, e inversamente proporcional à quantidade de perda da vida humana. É tempo de ausência...

            Já que me referi a números, que fiquemos também cientes quanto aos mais de 57 pedidos de impeachmant; mas, segundo consta, e surpreendentemente, é necessário esperar o momento certo para prosperarmos. Palavras do bom velhinho. Enquanto isso, aguardaríamos como ovelhinhas natalinas bem comportadas, numa espera sangrenta e em câmera lenta do povo, da nossa alma.

            Ah, mas se ao menos fôssemos crianças do tipo levadas, as quais nós sabemos que habitam o nosso íntimo, vasculharíamos os quatro cantos da casa, gritaríamos, faríamos pirraça, barulho e mais as olheiras da(s) noite(s) mal dormida(s). Sangue haveria nessas circunstâncias, é claro; até porque, de qualquer modo, isso já está ocorrendo, só que de forma lenta e profunda. De toda forma, é certo recebermos um presente ao cabo disso tudo. Ah, mas só pondo velocidade e o mínimo de consciência e bom senso é que poderemos constatar por qual velhinho barbudo é digno que sangremos e que presente será esse que nos espera na manhã sagrada.

(Kátia Surreal)